quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A farsa dos sabichões


Por Sandro Neiva

Num país cuja população básica é de analfabetos, não é de se admirar que aqueles sujeitos que possuem um conhecimento mediano – que sabem recitar tanto Freud quanto Santo Agostinho – sejam considerados pequenas divindades, gênios, intelectuais.

Um exemplo clássico pode ser o daquele escritor de best-sellers, outrora parceiro de Raul Seixas, que virou até mago! – apesar de ser um caso típico de escritor comum, continua sendo apresentado pela mídia como superdotado, um herói poliglota e um cidadão honoris causa.

Para que esse espetáculo tenha êxito, basta a cumplicidade dos meios de comunicação e, claro, as chaves do poder.

No mundo intelectualóide e da política existe algo ainda pior – o pacto de promoção mútua. Filósofos elogiam filósofos; prefeitos aplaudem prefeitos; doutores defendem doutores, bispos santificam outros bispos e assim se eterniza o espetáculo da diplomacia-vaselina e da politicagem nauseabunda.

Quem tem a mínima vivência acadêmica sabe muito bem como funciona o referido marketing e como agem os intelectuais-políticos ou os políticos-intelectuais para mistificarem-se mutuamente.

Fulano de Tal da UnB convida o Sicrano de Tal da UFMG para “dar uma conferência” e logo depois o Sicrano de Tal da UFMG, em retribuição, convida o Fulano de Tal da UnB para o lançamento de um livro ou para “dar um seminário”.

Nos tais eventos artificiais ou fictícios, não acontece nada e não aparece ninguém. Mas como o que importa para os dois lados é o teatro da vaidade e o Curricullum Lattes, tudo é devidamente encenado, como algo fundamental para a edificação de um Saber maior.

Um filósofo escreve no jornal que outro filósofo é uma genialidade e logo em seguida é retribuído com gratidão no mesmo jornal, como a revelação acadêmica do século. Recebe, então, uma bolsa de pesquisa, honorários, títulos, promoções, passagens etc.

Se não produzem praticamente nada de útil, pelo menos podem desfrutar bons momentos nos hotéis, restaurantes e aviões,– sempre fazendo de conta que estão dedicando a vida a um projeto humanista.

E assim, nessa espécie de pingue-pongue repugnante, certos de que "cumpriram com sua missão", seguem a boa vida. Um pé na universidade e outro na igreja; uma nádega numa prefeitura e outra numa transnacional.

Encantadas, as massas de leitores aplaudem.




2 comentários:

  1. Meu caro,
    tudo é uma mentira, uma encenação
    marcaram as cartas, as doses na garrafa
    o sábio e o ladrão andam de mãos dadas
    cada um que defenda o seu lado
    Eu aqui desta trincheira
    miro a brasa do cigarro
    cada um com seu quinhão
    cada um com seu pecado

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  2. Prezado Sandro Neiva,

    o difícil dessa situação que você descreve é separar o joio do trigo. Nosso sistema científico, político e educacional tem falhas graves que abrem brechas enormes para a entrada de gente despreparada. No fundo, tudo se resume à qualidade do elemento humano. Quando ele é bom e ocupa o lugar que lhe é devido para que exerça sua função social, tudo funciona. Do contrário, tudo vai mal. A má tradição que você descreve cuida de perpetuar o vício. Temos um desafio gigantesco nesse século 21, que é cuidar da nossa evolução cultural. Precisamos de boa ciência e bons líderes. Informação e ciência de qualidade e trabalho duro para o bem social, em vez da enganação, da enrolação, do elogio da mediocridade, da "lavagem verde" e do faz-de-conta. O trabalho jornalístico de separar o joio do trigo é imprescindível.

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