sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Entrevista com a banda Ratos de Porão (SP)


Por Sandro Neiva

Julho de 2001. RATOS DE PORÃO - a banda punk mais agressiva do planeta - toca em Brasília para cerca de 40 mil pessoas, no Festival Porão do Rock. Na época, a formação era Gordo, Jão, Boka e Fralda. Doente e mais obeso do que nunca, o vocalista João Gordo precisou de uma injeção no nervo ciático antes de subir ao palco. Na execução de várias músicas, teve que cantar sentado em uma cadeira. Lembro como fiquei impressionado com a pança, os pés inchados e a aparência geral de um dos caras que me ensinaram a gostar de punk rock. Cheguei a pensar que ele estava perto de bater os Ked’s. Como sabemos, João Gordo reduziu o estômago, virou papai e tornou-se figurinha fácil na TV. O grupo lançou em 2009 o documentário “Guidable, a verdadeira história do Ratos de Porão” e segue em frente.

Havia umas 40 mil pessoas no show desta noite. Vocês gostam de tocar para grandes plateias?
JOÃO GORDO – Eu gosto mais de tocar em lugarzinho pequeno, tá ligado? Soa mais aconchegante, é mais legal. Festival grande assim é foda, cara. Fica muito separado a coisa. É o público lá longe e você cá encimão. Tudo muito longe. Quer dizer, é legal porque é muita gente. Mas não é muito aconchegante, tá ligado? Quando o público fica mais próximo a coisa é muito mais louca.
BOKA – O Ratos de Porão é uma banda acostumada a tocar em qualquer lugar, cara. Já tocamos várias vezes em grandes festivais e tocamos também no chão, sem palco. Com o Ratos não tem disso. Tocamos para milhares de pessoas ou para um público composto apenas por fãs, como outras vezes, no Teatro Garagem, por exemplo, aqui mesmo, em Brasília. Tecnicamente, eu prefiro tocar em locais fechados, mais perto do público e de toda a energia. Essa energia se perde um pouco quando o show é ao ar livre. O ideal mesmo, em termos de equilíbrio, é tocar para um público de 500 pessoas. Mas também tanto faz. É nossa vida, nosso trabalho. Sempre tem graça.

Fralda, é verdade que o seu primeiro show com o RDP foi no exterior? como entrou na banda?
FRALDA – Meu primeiro show com o Ratos foi lá na gringa, em Portugal. Foi num festival para 32 mil pessoas em que tocaram The Cure, Therapy, Sonic Youth e uma pá de bandas. Eu ainda não havia feito nenhum show com a banda no Brasil e já peguei logo uma turnê de oito shows no exterior. Na verdade, meus dez primeiros shows foram meio desastre, meio foda, tá ligado? Só mais na frente eu fui pegando o jeito e me entrosando.

Boka, você entrou na banda em 1991, logo depois do lançamento do disco Anarkophobia. Foi uma parada que deu certo, não?
BOKA – Eu já era amigo dos caras desde a época do Psycho Possessor, minha banda anterior. A gente fazia umas Jam Sessions juntos. Eu me integrei legal. Não é qualquer cara que tem a manha de passar 70 dias espremido num furgão, como já fizemos várias vezes, nas turnês pelo exterior. Tem que haver muita paciência e respeito e a gente consegue lidar bem com isso.

O Guerra Civil Canibal foi o primeiro disco totalmente independente do Ratos, e saiu pela Pecúlio Discos (cujo proprietário é o baterista Boka). Mas saiu também um compacto pela Monstro Discos. Como foi a negociação?
BOKA – Sim. Esse disco saiu pela Pecúlio em CD e um compacto de 7 polegadas pela Monstro Discos, de Goiânia. É um pessoal que já tem tradição em vinis coloridos e é super gente fina. Chegamos pra eles e falamos: “o disco está em suas mãos”. Rolou tudo de forma tranquila. Foi também uma forma que encontramos pra não termos tanto trabalho.

O RDP foi uma das primeiras bandas a adionar o Hardcore ao Metal, criando o chamado Crossover. Isso nem sempre é bem visto por fãs mais conservadores. O que vocês pensam a respeito?
JOÃO GORDO – O RDP foi a primeira banda a fazer isso. Aqui no Brasil, foi a primeira. Quanto a esse tipo de pensamento, esses caras que se fodam, meu! Pau no cu desses punk’s radicais metidos a donos do mundo. São uns idiotas que pensam que sabem tudo, meu!
BOKA – Nós evoluimos musicalmente. Acrescentamos vários elementos ao nosso som, não só o simples hardcore, mas nunca perdendo aquela pegada característica. Sempre estivemos antenados no underground. Cara, quem gosta da banda é porque realmente se identifica. Nós não estamos pedindo pra que ninguém goste do Ratos de Porão. Mas conosco rola algo engraçado: em nossos shows não vai ninguém de curioso. Só tem fã de verdade em todos os shows. Somos uma banda 100% independente que consegue certo espaço na mídia, que outras bandas da mesma linhagem não conseguem. Isso gera inveja.

Quantas vezes o Ratos de Porão excursionou pela Europa e Estados Unidos?
GORDO – Ah, não sei. Um monte de vezes, cara! Desde 1990 a gente viaja para o exterior. Nos Estados Unidos é diferente pra caramba. É outra história, meu. Os shows lá são de fato o underground porque os caras querem ser de fato o underground. É show no chão, cara. Não tem produção nenhuma de palco, nada. Boteco, saca? Muito louco isso.
BOKA – Perdi a conta de quantas turnês a banda já fez no exterior. Na Itália nós tocamos em um monte de squats. Mas lá esses locais são enormes, para cerca de 700 pessoas. O punk’s italianos e franceses são uns pirados. Nos Estados Unidos tocamos no CBGB.

Vocês também tocaram em lugares obscuros como Eslovênia e Croácia. Qual o lugar que acharam mais louco?
JOÃO GORDO – A gente tocou muito numas ilhas e foi muito louco. Ilhas tipo Maiorca, Ilhas Canárias, Teneriff, Eslovênia, Croácia, República Tcheca. Uns lugares assim, bem difíceis de ir, tá ligado? Pra gente é bem bizarro esse tipo de lugar, saca? Nós temos fãs no mundo inteiro, meu. Na Itália, França, Portugal e Espanha tocamos em centros culturais enormes. Na França e Itália tinha coisa bem punk mesmo.
BOKA – Cada país tem uma onda diferente, mas o leste europeu é muito fodido. Os fãs são muito loucos. Não no sentido violento, mas no sentido de amar a banda.

Dizem que em alguns países como a República Tcheca, os punk’s cantam as músicas do Ratos de Porão em portugês. Qual a reação de vocês ao observarem isso?
BOKA – É lógico que quando vimos aquilo pela primeira vez foi fantástico, muito engraçado, mas hoje achamos até normal.
JOÃO GORDO – Eles sabem cantar o refrão, né cara? É legal e meio que compensador, entende? Você saber que uns caras do outro lado do mundo estão cantando uma música que você fez lá na sexta-série. Isso é do caralho, meu!

Como é o esquema de produção dessas turnês? As gravadoras já bancaram alguma coisa?
BOKA – Gravadora nenhuma jamais bancou nenhuma excursão nossa para o exterior. Juntamos grana para as passagens aéreas, acertamos tudo, alugamos uma van, e nós mesmos agendamos os shows. Nos viramos como podemos. Cartão de crédito, cheque emprestado, qualquer coisa vale. Nós damos nosso jeito.
JOÃO GORDO – Gravadora não banca nada, véio. Só tem pilantra nesse meio. Só o Boka é honesto.

Quanto custa uma turnê dessas? Dá pra sobrar algum?
JOÃO GORDO – Sobrar, sobra. Tem muito gasto. É gasto pra caralho, meu. Mas quem manja de turnê mesmo é o Boka aqui, cara. O Boka é o empresário do rock. Baterista, pai de família, empresário bem sucedido, ex-maconheiro e surfista, ainda por cima.
BOKA – Uma turnê assim custa em torno de 30 a 45 mil. Apesar dos gastos, dá pra sobrar alguma coisa.

Vocês já passaram pela Roadrunner, Cogumelo, Baratos & Afins, Paradoxx. Afinal, gravadora não vale mesmo a pena para uma banda como o Ratos?
BOKA – A parceria com outras gravadoras é muito mais interessante pra nós porque temos nosso trabalho distribuído mundialmente com total controle. A Alternative Tentacles (selo de Jello Biafra, ex-Dead Kennedys) lançará nosso ultimo disco em vinil de 10 polegadas, que é um formato superlegal e diferente. A Paradoxx foi a única gravadora que fez um bom trabalho de distribuição e os caras são mais sérios. Na Roadrunner foi foda. Eles impuseram que nossos discos também deveriam sair com letras em inglês. Na minha opinião, o Just Another Crime é nosso pior trabalho. Eu tinha pouco tempo de banda e havia pressão da gravadora. A única música desse disco que a gente leva em shows é SuposiCollor, que também é a única em português.
JÃO – Gravadora grande é uma puta mafia, meu.

Vocês devem encontrar muita gente louca nessas turnês. Rolam muitas drogas e groupies?
BOKA – Se você quiser, rola com certeza. Eu, como baterista, preciso de preparo físico e concentração. Não dá mais pra ficar zoando tanto, como antigamente. Estou mais quieto. Quanto às garotas, nós nem somos uma banda que tenha o perfil para esse tipo de coisa. Eu sou casado há muitos anos, o Jão também. No início da década de 1990 todos nós estávamos muito mais abertos a tudo isso.

Depois de tanto tempo tocando e viajando juntos, já deve ter rolado umas tretas e discussões, certo?
BOKA – É que nem uma família, cara. É lógico que rolam discussões. Num dia está quebrando o pau, no outro se arrepende, se respeita e está tudo bem de novo. É complicado. Não é para qualquer um, cara. Tem que haver paciência, saber respeitar a opinião e o direito do outro.

Jão, você que é o único membro da formação original, me diz, quais as diferenças básicas da cena punk que surgiu em São Paulo em 1978 e o que rola hoje em dia?
JÃO – Como cena musical, ainda existe e é bem forte. Agora, como movimento, eu diria que é meio dispersivo. Tudo é muito equivocado, saca? Não há união para se construir um lance melhor. Sei lá, às vezes é mais fácil ficar falando mal do Ratos de Porão, por exemplo, do que tentar mudar alguma coisa.

Em 1983 as bandas punk’s de São Paulo, incluindo o RDP, foram tocar no Circo Voador, Rio de Janeiro. Esse episódio repesentou a primeira tentativa de organização do movimento em nível nacional. Gostaria que você comentasse o episódio.
JÃO – Eu era muito moleque, estava indo ao Rio pela primeira vez e fiquei muito louco. Fazia um puta calor de rachar, o Circo Voador estava lotado e eu pirei, né, velho? Na época, a gente não tinha noção do lance histórico, que aquilo iria se tornar um acontecimento histórico.

Tenho a impressão que a banda está mais clean. Todos pararam de fumar cigarro, né?
BOKA – Com certeza. Estamos mais sossegados. O Gordo não está muito bem de saúde. Eu particularmente, não gosto de cigarro.

Jão, li na internet um artigo chamado “o movimento punk no Brasil”, assinado pelos Ratos de Porão. O texto termina com a frase: “Os punk’s voltaram para a periferia como todo filho pródigo volta ao lar”. Pode comentar a respeito?
JÃO – Eu sempre morei na periferia. Então eu não estou voltando porque nunca saí, né, velho? (risos). Moro na região de Pirituba, que é periferia de São Paulo.



Um comentário:

  1. Crise Geral
    R.D.P

    Falam de anarquia
    De Luta pra viver
    O povo hoje em dia
    Aprendeu a aparecer
    A apatia é grande e a crise é geral
    Se lembram disso sempre, esquecem no carnaval
    Olhe pra sua vida
    Tá difícil pra danar
    Falta isso, falta aqui
    Mas pinga nunca vai faltar
    A seleção é grande, a novela é legal
    A vida é mais dura só depois do carnaval...

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