domingo, 31 de janeiro de 2010

O CACAU hoje no Brasil


Por Sandro Neiva

Há muito ficaram para trás os dias de glamour em que a lavoura de cacau representava a atividade poderosa que – às custas da mão de obra semi-escrava dos camponeses nordestinos – durante boa parte do século 20 enriqueceu os exportadores, fez a fortuna (e posterior decadência) dos coronéis baianos, além de lotar as casas de jogatina, os cabarés de luxo e os guarda-roupas das putas e sinhás da cidade de Ilhéus.

Segundo a Organização Internacional do Cacau (OICC), o Brasil, que que já foi o segundo produtor mundial na década de 1970, caiu para o sexto lugar, tendo hoje uma participação insignificante, de apenas 5% em todo o cacau produzido no mundo. A cotação do produto, que por muito tempo carregou nas costas a balança de exportação comercial brasileira, beira hoje U$$2.400 a tonelada no mercado externo. No interno, vale entre 85 e 90 reais.

Entretanto, O CACAU, ainda hoje representa uma força econômica vital na região sul da Bahia, conhecida como Costa do Cacau.

A Bahia é o maior produtor brasileiro, no entanto sua capacidade produtiva foi reduzida em até 60%, com o advento nos anos 1980 de uma praga conhecida como Vassoura-de-Bruxa. A proliferação do fungo tem sido sistematicamente controlada por órgãos de pesquisa como a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), com o apoio de algumas universidades e da Embrapa.

Apesar da Vassoura-de-Bruxa, o cacau ainda se constitui numa alternativa econômica para muitos na região. Para se ter uma ideia, o setor emprega hoje, no eixo Ilhéus-Itabuna cerca de 90 mil pessoas.

A lembrança do auge e declínio da cultura cacaueira, época ímpar de nossa história, pode ser saboreada num passeio pelas páginas do genial escritor comunista e devoto de Exú, o baiano Jorge Amado, nos livros “Cacau” (lançado em 1933), Terras do Sem Fim (lançado em 1942 e adaptado como telenovela pela Rede Globo em 1981) e “São Jorge dos Ilhéus” (1944).

Jorge Amado


sábado, 30 de janeiro de 2010

As tocaias em São Jorge dos Ilhéus e o churrasquinho português dos Aymorés


Por Sandro Neiva

Em princípios do século passado nos arredores de Ilhéus eram mais do que comuns as mortes violentas pela disputa das terras de excelência para a lavoura cacaueira. Tocaias, extermínios, jagunçagem sem dó. Coronéis que encomendavam a morte para alargar suas propriedades, capatazes e carrascos armados com repetição. Tiro, sangue e assassinatos bárbaros nas estradas do cacau. O próprio pai do afamado escritor Jorge Amado fôra vítima de uma tocaia.

Muitos anos antes, entretanto, na época do Brasil Colônia, a Capitania de Ilhéus já havia sido cenário de mortes violentas em outras tocaias. Tocaias engendradas pelos temidos Aymorés – legítimos brasileiros primitivos e tribais –, que resolveram fazer churrasco dos portugueses que tentaram escravizá-los.

Em todas as capitanias hereditárias precisavam os lusos plantar cana para desenvolver o projeto açucareiro. O novo lugar era estrategicamente perfeito, uma península, abrigada por quatro ilhéus e terra fértil. O que naquele momento os portugueses ignoravam era que estavam se metendo numa grande roubada. Seriam liquidados e literalmente devorados pelos Aymorés.

Numa referência às quatro ilhotas e ao próprio dono da capitania (Jorge de Figueiredo), a vila construída pelos colonos foi batizada com o nome de São Jorge dos Ilhéus. O fato da história Ilhéus ser recheada de terríveis e violentos conflitos não deixa de ser uma ironia: afinal, além de ser homônimo do donatário, São Jorge é o santo guerreiro do catolicismo.

De início, tudo corria bem. Trocas eram feitas com os amistosos Tupinikins que circulavam pela região. Os Aymorés – nômades e mais primitivos – mantinham-se à distância, na mata. Mas o escambo dava sinais de esgotamento: os nativos logo dispunham de mais objetos do que precisavam. Os portugueses então, passaram a escravizá-los, repetindo em Ilhéus o que acontecia nas demais capitanias.

Os colonos começaram a penetrar no território Aymoré e a primeira treta se deu por volta de 1546, seis anos após a invasão portuguesa. Os nativos começaram a fazer ataques constantes e em pouco tempo os Aymorés devastaram não apenas Ilhéus, mas também a vizinha Porto Seguro.

O historiador Gabriel Soares de Souza, em texto de 1570, diz: “gente esquisita e agreste, inimiga de todo o gênero humano".

O jesuíta Fernão Cardim escreveu em 1585 o seu Tratado da Terra e Gente do Brasil e dizia: “Os Aymoré ocupam 80 léguas (cerca de 500 km) de costa, mas são donos do sertão também, são senhores de matos selvagens, vivem de rapina e ponta de flecha, comem mandioca crua sem lhes fazer mal e trazem uns paus muito grossos para que em chegando logo quebrem as nossas cabeças. Não cruzam águas nem usam de embarcações, nem são dados a pescar, toda sua vivenda é do mato".

De acordo com o jornalista e historiador gaúcho Eduardo Bueno, um certo Fernão Guerreiro escreveu em fins do século 16 a respeito dos Aymorés: “gente barbaríssima, alheia a toda humanidade, é a mais fera e cruel que há no Brasil. Nunca andam juntos, senão poucos, e, sem serem vistos, cercam a gente e a matam, e com tanta ligeireza se tornam a sumir pelo mato com o arco e flecha sobre as costas. Agem com ciladas e assaltos repentinos e tem infestado toda a costa do mar”.

Na conta de Gabriel Soares de Sousa, ao longo de 25 anos de conflitos, os Aymorés liquidaram 3.500 portugueses.

Deve ter rolado churrasquinho de carne portuguesa com muito cauim de aperitivo. Bem aventurados os guerreiros da nação Aymoré, proto-brasileiros que defenderam suas terras com flechas e dentes contra a exploração lusa.

Fontes:
Pero de Magalhães Gândavo - Tratado da Terra do Brasil; História da Província Santa Cruz, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia, 1980.
Eduardo Bueno – Capitães do Brasil – Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 1999.


quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Entrevista com a banda Cólera (S.P.)



Por Sandro Neiva

Para um documentarista o material de arquivo nunca fica velho. Sempre estará ali guardado, à espera de vida. Quando sobra algum tempo livre ou dá na telha, é possível resgatar as preciosidades da gaveta, baixar tudo para o computador e fazer a edição. No meu caso, se o material de arquivo contém shows ou entrevistas com bandas de rock que amo desde a adolescência, então não me preocupo em editá-lo logo depois da captação. Arquivos dessa magnitude nunca ficam datados ou vencidos pois aqueles que realmente carregam o rock nas veias nunca o abandonarão. No princípio da semana resolvi tirar da gaveta este rico material com o power trio paulistano CÓLERA. Escuto, conheço e amo o som desses caras desde 1983, quando tinha apenas 14 anos e adquiri em Paracatu (MG) a coletânea SUB, com aquele lindo vinil vermelho que os punks de minha geração conhecem bem. Em 2006 o Cólera tocou aqui em Brasília, no Festival Porão do Rock. À época, aproveitei a oportunidade e registrei tudo para a realização de um DVD com o show e um futuro documentário. O projeto do DVD foi realizado pela PERVITIN FILMES em 2008. Para a efetivação do documentário, será preciso uma segunda entrevista com a banda, afinal são 30 anos de trajetória e história punk pra ser contada pelos caras e é praticamente impossível relatar três décadas em apenas uma noite. Após o show na Capital Federal em 2006, já no Hotel Meliat, de 4 às 6 da manhã, fiz essa embriagada/enfumaçada entrevista com Redson, Pierre e Val, a formação clássica do CÓLERA. Com extrema boa vontade, sentados no chão do quarto do hotel, eles fizeram uma retrospectiva dos primeiros tempos da banda. Boa leitura a todos.

Vocês sempre optaram por cantar em português, não é mesmo?
PIERRE – Sim, sempre preferimos cantar em português, cara. A nossa filosofia é a seguinte: se uma banda da China vem tocar no Brasil, eu quero escutar os caras cantando em chinês. Não me interessa ouvir os caras cantando em inglês. Não estou desmerecendo bandas que fazem seu som em inglês para poder tocar em outros lugares. Mas eu acho muito mais tesão ver e ouvir as bandas cantando em sua própria língua pátria. Existe apenas uma música que a gente canta metade em inglês e metade em português porque a fizemos lá no exterior, na turnê de 1987. A música chama-se “Don’t Waste It” e foi feita lá na Europa, pro pessoal de lá, por causa do calor e do carinho com que fomos tratados lá. Mas no geral, só cantamos em português mesmo.

Falem sobre o disco “Os Primeiros Sintomas”.
REDSON – É um CD que traz 10 músicas com a primeira formação da banda. Eu no baixo e vocal, Helinho na guitarra e Pierre na bateria. São músicas que a gente criou logo no princípio da banda e nunca haviam sido lançadas. E também 10 músicas com o Val no baixo, eu na guitarra e vocal e o Pierre na bateria. São músicas igualmente do começo da banda e também não haviam sido lançadas. Então esse álbum vem registrar o que a banda realmente era no início, lá nos primórdios e na época não foi possível fazer. Enfim, estamos realizando aquilo que a gente sempre propôs, que é o “faça-você-mesmo” e estamos conseguindo colocar isso em prática a cada dia, com muita satisfação.

Há muitos significados para a palavra Cólera. No caso de vocês a palavra se refere a quê, exatamente?
REDSON – A palavra Cólera está presente até na Bíblia e tem uma série de significados. Para nós, Cólera representa uma grande atitude de expressão musical no rock brasileiro. Para mim, é um sentimento de indignação, de ver as coisas erradas e não ficar calado. E tentamos fazer isso de uma forma inteligente, com letras, melodias e música. Eu ia em shows de rock nos anos 1970 e os músicos ficavam meia hora nos solos de guitarra, o cara da bateria ficava mais quarenta minutos no solo de batera. Era legal, os caras tocavam muito, mas eu ficava na galera e não conseguia tirar o pé do chão porque na verdade eu não conseguia participar daquela festa. O que eu mais queria era fazer um som que eu mesmo curtisse e que as pessoas pudessem participar e curtir. E o Cólera é exatamente isso, uma banda que faz uma festa de conscientização, uma festa que as pessoas possam se soltar, cantar juntas, pogar, dançar, uma festa de livre expressão. Então, Cólera, pra mim é todo esse sentimento de expressão intenso.

PIERRE – Pra mim, Cólera significa a satisfação de seguir realizando uma coisa que amo. No princípio, eu comecei a tocar bateria apenas para acompanhar meu irmão (Pierre é irmão de Redson), só pra que ele não ficasse sozinho. Mas depois eu peguei o tesão da coisa e aprendi a tocar bateria de verdade. Então, Cólera é toda essa satisfação de realizar, transmitir e dar às pessoas condições delas pelo menos pensar. A base do pacifismo não é abaixar a cabeça e se resignar. A base do pacifismo é não fechar os olhos perante a violência e dizer não às armas, é lutar pelo fim das armas em todo o mundo, não só no Brasil. Acreditamos que para se criar um desarmamento real no mundo é preciso que haja um processo de conscientização das pessoas. Nenhum político do mundo pode conseguir um desarmamento real da sociedade sem que haja a conscientização das pessoas. Tentamos fazer com que as pessoas pelo menos questionem as coisas. Por outro lado, ficamos muito felizes por termos sido e ainda sermos influência direta para um monte de bandas atuais, influência para pessoas que se identificaram com nossos discos, com nossa música ou foram em algum de nossos shows e resolveram montar uma banda ou mudar suas vidas a partir dessas experiências.

VAL – Algumas pessoas estranham o nome Cólera por associarem a palavra ao ódio, mas na verdade a gente passa uma mensagem de paz. A música é nossa maneira de lutar com determinação e garra contra as injustiças sociais.

No começo da carreira, como eram as relações do Cólera com o pessoal do movimento punk?
REDSON – Entre 1977 e 1980 somente em São Paulo havia bandas punks e o movimento era radical. E o Cólera era justamente uma banda que não tinha uma postura radical dentro do movimento. Tínhamos problemas com punks que não conseguiam compreender a nossa postura libertária e não nos aceitavam por completo. Fazíamos o nosso som com total liberdade de criação artística, se quiséssemos um som mais leve ou falar de outras coisas, por exemplo. Sempre pensei que o punk é um campo fértil de liberdade, onde você é livre para criar como quiser. O Cólera sempre se destacou por uma postura de não ter medo, de tomar a sua identidade e seguir em frente.

Quais bandas os influenciaram?
REDSON – A primeira influência do Cólera foi a banda The Clash. Quando eu escutei o primeiro álbum do Clash, aquilo foi como um estalo e aí nós tivemos a noção do que realmente a gente queria fazer. Outra influência era a banda UK Subs e por fim a banda Stiff Little Fingers. Isso foi no princípio dos anos 1980. Depois fomos semeando nossa identidade e passamos a ter uma identidade própria. Hoje, eu percebo que o Cólera tem uma influência nacional incrível. Um monte de bandas surgiram por influência direta do Cólera. E tem realmente quem adora, quem ama, quem tem aquela fervura, mas eu prefiro interpretar isso com carinho. As pessoas mais radicais, quando me vêem no fim de algum show dando autógrafo falam que isso é coisa de estrela, mas eu penso que é o mesmo que dar um abraço, é uma coisa que fica guardada, é uma forma carinhosa de você dar atenção para aquela pessoa. Então existe várias formas de você interpretar os fatos, você não pode ser fechado. Nós não somos fechados, nós somos abertos. Já tocamos com vários artistas de estilos diversos. Já tocamos com Jair Rodrigues, com Robertinho de Recife, com Raul Seixas, com Cazuza. Enfim, não temos preconceito, somos livres. Talvez seja por isso que essa garotada nova aí também nos curte muito. Nós tocamos na semana passada em São Paulo, em frente à Galeria do Rock, de graça. O evento aconteceu às duas da tarde com várias bandas punks se apresentando. Nós encerramos o evento e no finalzinho do show, quando cantávamos a música “Adolescente”, um garoto de uns oito ou dez anos de idade subiu ao palco vestido com uma camiseta branca escrito Cólera, o desenho feito à mão, e cantou a música do início ao fim, certinho, com a mesma fervura que a gente canta, com o mesmo tesão. Então, essa é a prova que vale a pena, que vale muito a pena passar todos essses anos e ver que funciona a sua busca, a sua ideologia. Temos um grande respeito pela galera que gosta muito do Cólera, porque o que há é uma troca justa. As pessoas querem respeito e nós colocamos na mesa esse respeito, para ser compartilhado. O começo nunca é fácil, mas faça alguma coisa, é isso que a gente prega.

Como foi o lance de vocês aparecerem no Programa da Regina Casé, na Rede Globo? Aparecer na Rede Globo não representa um risco para vocês?
REDSON – Esse assunto é mesmo polêmico. Como repercute esse nossa aparição na Globo! Nós temos umas 12 ou 13 comunidades no Orkut, e cada tópico lá tem uma média 56 a 100 comentários. Poucas pessoas ali sabem que em 1985 nós já tínhamos tocado no Mixto-Quente, que era um programa que a Rede Globo fazia, ao vivo na praia do Pepino. Foi ali que tocamos pela segunda vez com o Raul Seixas. Mas muito antes disso o Cólera já tinha experiência televisiva. Em 1980, exatamente no mês de abril, nós tocamos na extinta TV Tupi, no programa “Olimpop, as Olimpíadas do Som”. Apresentamos lá uma música com o Feliz, que depois foi pro SBT. Aquela foi nossa introdução na mídia televisiva. É aquilo que eu havia falado da liberdade, pois eu acho que não existem barreiras para o Cólera. Quando fizemos a turnê na Europa, em 1987, muita gente nos desistimulou, dizendo que os europeus iriam rir da gente e que não iriam entender nada. Tínhamos apenas oito shows marcados e concluímos a turnê com 56 shows em 10 países e assim, abrimos as portas para o rock nacional ter respeito lá fora e ser respeitado aqui dentro. Então, por que não tocaríamos na Globo? Tocar na Globo e aproveitar esse veículo de comunicação é absolutamente legítimo. Isso pode ser comparado ao seguinte: há bandas que pretendem dirigir fusquinha a vida inteira e nós nos propomos a dirigir Ferrari sim. Não pelo valor que a Ferrari custa, mas pela dimensão da responsabilidade de um veículo deste porte. A Globo me procurou com a proposta de um programa e falou: “queremos que você fale no Capão Redondo”, que é onde eu nasci e onde a banda cresceu. A música seria “Pela Paz Em Todo Mundo”. Eles já vieram com essa música na pauta e nós aceitamos de coração. Fiz uma hora e meia de entrevista com a Regina Casé em meu bairro, Capão Redondo, e mostramos a periferia. Falei dos problemas culturais e sociais do bairro e isso entrou na entrevista que foi ao ar. Ela abriu a nossa participação no programa falando uma frase muito justa: “Nada disso seria possível – Hip Hop, Rap e todos os estilos da periferia – se o punk não tivesse dado um pontapé na porta e aberto o caminho do mercado independente para toda essa cena musical que existe hoje”. Pura verdade. Então por que não iríamos na Globo? Por que não ir lá e falar a verdade para o Brasil inteiro? Foi uma ótima oportunidade pra quem mora na Amazônia, no Sul, no Nordeste, no Norte ou no Centro-Oeste, de ter acesso a uma cultura diferente, que não seja somente a da Calcinha Preta e outras coisas que geralmente a mídia mostra. Penso que foi apenas um reconhecimento pelo valor que nós temos, um valor que está sendo observado, um valor que realmente existe.

VAL – Cara, não foi a mesma coisa de ir ao programa do Faustão, por exemplo, onde o cara fica comentando um monte de coisa ridícula. Foi algo muito mais sério. A Regina Casé conseguiu passar a imagem da banda, a edição não deturpou nada, foi um negócio bem legal pra nós também. E era a molecada da periferia mesmo, lá da favela, e todo mundo cantando junto, dançando, foi bem legal.

REDSON – Acho que a semente que a gente plantou em 1979 e continua plantando por todos esses anos gera esses frutos. A gente toca pra todas as gerações. Quando voltamos à Europa em 2004 (26 shows em 7 países) e fomos tocar na Bélgica, um cara da casa de shows falou pra gente: “Olha, vocês vão se surpreender porque muita gente que viu o Cólera em 1987 vai estar aqui hoje”. E realmente foram uns 100 punks velhos, tudo gordo e calvo, os punks antigões mesmo. E ao mesmo tempo tinha a garotada de 14 anos, 15 anos curtindo pra caramba. Então, o fato de você ser livre faz com que você permita a liberdade. Isso faz com que se permita que a molecada mais nova venha e se divirta sem nehum receio de que o show seria para o pessoal das antigas. Todo mundo é bem vindo nos nossos shows, todo mundo pode chegar mais e curtir porque é pra isso que estamos aqui.

Redson, você ainda toca numa banda cover do The Clash?
REDSON – Sim, o Radio Clash. Como o Clash foi a banda que deu o impulso inicial para a identidade do Cólera, eu sempre tive vontade de tocar músicas deles, um tributo pela consideração que eu tenho pela banda. Felizmente eu consegui reunir músicos que têm condição de realizar esse trabalho. O Alonso, técnico de som do Cólera, é o baterista; o baixista é o Kiko, roadie do Cólera; eu toco a guitarra base e faço os vocais principais, imitando o Joe Strummer; e o Ari, do 365, faz as guitarras solo e vocais do Mick Jones. Esse trabalho é um tributo e uma diversão que a gente gosta muito, um tributo a uma banda que marcou minha vida.

Gostaria que comentassem sobre o surgimento do movimento punk em São Paulo.
REDSON – Tudo começou quando chegou no Brasil o primeiro disco dos Sex Pistols e daí as primeiras notícias do que era punk rock. Surgiu o punk rock na Inglaterra e foi toda uma ação revolucionária na área musical, comportamental, cultural e política, tudo muito intenso. As bandas começaram a gravar e surgiram no Brasil as primeiras sonoridades. O que eu via era que todo o processo revolucionário que estava acontecendo era feito pelo pessoal mais radical, ligado ao rock’n’roll, o pessoal que curtia hard rock. Ou então tudo estava voltado para o pessoal que agia com violência, que era o pessoal das gangues. Então, surgiu com o pessoal das gangues. E aí começou a gangue da Zona Norte, da Zona Leste, da Zona Oeste, todo mundo tinha a sua gangue. Nem toda gangue era de briga.

VAL - Era uma coisa da molecada local mesmo. Todo muito muito jovem, os moleques em busca de algo diferente, de um som diferente. Aí apareceram uns espaços bem legais como o Construção, o Templo, e aí todo fim-de-semana tinha som. Daí fomos logo montando as bandas.

REDSON – As primeiras coisas que mudaram a história dessa cultura foram as bandas. As bandas começaram a fazer punk rock brasileiro. Acho que essa foi a primeira referência do que se pode dizer que o Brasil ostenta o seu punk rock próprio, o seu punk rock local. E essa é a grande coisa do punk rock – faça seu próprio punk rock – o punk rock de São Paulo tem uma cara, em Fortaleza tem outra cara, no Rio tem outra.

VAL – Mas a diferença é que em São Paulo existiam bandas do estilo que surgiram praticamente simultâneas com as bandas de fora. Logo que o estilo surgiu no exterior, já estávamos antenados. Mesmo antes de nós já tinha o AI-5, Restos de Nada…

Existiam pessoas líderes do movimento?
REDSON – Não existiam pessoas centrais que lideravam, existiam as gangues. O que aconteceu foi que, com o surgimento das bandas, passou a se ter um interesse em registrar aquilo. Foi ideia minha e do Fabião (Fábio, fundador da banda Olho Seco e proprietário da punk rock discos e da gravadora New Face Records, em São Paulo). A primeira pessoa a pensar nisso foi o Fabião. Ele falou: “vamos fazer um disco”. E aí eu já tinha um estúdio, a gente montou uma pá de coisas em casa, tudo feito à mão, a gente comprava madeira, cortava papelão, caixa de ovo, comprava auto-falante, fazia as caixas amplificadas pra guitarra e começava a ensaiar. Eu montei o estúdio dessa forma. Com o passar do tempo eu montei um estúdio de seis canais e as bandas começaram a gravar em casa.

Eram os Estúdios Vermelhos?
REDSON - Exatamente. A primeira demo-tape oficial do Ratos de Porão em fita K-7 fui eu quem lancei. E daí vieram uma série de gravações como o SUB. Então eu, o Fabião, o Bivar (Antônio Bivar, escritor), todo mundo que fazia alguma coisa relacionada a registro, – seja fanzine, seja demos, seja bottons –, as pessoas que eram ativas no movimento, cada um tinha o seu papel. O Bivar escreveu o livro “O que é Punk?”, dando uma clareza do punk inglês, do punk americano, pra gente ter uma referência local, e isso funcionou, porque cada um foi fazendo sua parte. Depois eu montei a Ataque Frontal com o Renato Martins. Mas o primeiro registro em vinil foi o Grito Suburbano, lançado pelo Fabião. Eu estava na parte técnica e reunimos as bandas Cólera, Olho Seco e Inocentes num estúdio – eram muitos botões, algo que a gente nunca havia imaginado – e lançamos o disco, tipo, “é isso que dá pra fazer”.

VAL – Quando a gente entrou no estúdio, ninguém ali conhecia e entendia o nosso tipo de música. Quando fizemos o primeiro som, o cara da mesa falou assim: “ Porra, o quê que é isso que vocês estão querendo gravar? Que porra é essa, meu?” Os caras não entendiam e não sabiam como gravar aquele tipo de som (risos).

PIERRE – Eles diziam: “Vocês vão pifar meu equipamento, fuder com meu estúdio”. Aquela guitarra distorcida, aquela bateria pac-pac-pac-pac, eles ficaram meio desesperados (risos).

Isso foi em 1982?
REDSON – Isso foi em 1981. O disco saiu em 1982. A experiência foi vivida durante seis meses de 1981. O Fabião prensou o disco em janeiro e em março de 1982 saiu oficialmente o LP Grito Suburbano. Nós fizemos o lançamento em junho, num salão chamado Zimbabuê, que era um espaço de patinação na Zona Norte, salão bonito, palco enorme, salão de festas e de show mesmo. Levamos o som do Cazu, que era o japonês, morava na Cantareira, onde a gente ensaiava e ele fazia umas demos profissionais, melhor que na minha casa. E aí fizemos a organização de um evento bem feito de punk rock. Foi um evento legal, convidamos todo mundo que era alternativo. Veio o Antonio Bivar, veio o Kid Vinyl, veio o Fernando Meireles (diretor do filme “Cidade de Deus”), ele fez uma documentação intensa e publicou uma reportagem chamada Garotos do Subúrbio, sobre a cena punk de São Paulo. O evento ganhou destaque porque acontecia dentro da cena criada por nós e a mídia estava presente. Daí começaram a acontecer uma série de eventos, o Carbono 14 virou uma casa de shows e espaços começaram a se abrir.

Redson, como era esse lance de você e o Val fazerem parte também da formação do Olho Seco?
REDSON – O Fabião queria montar uma banda e faltavam bandas de hardcore na cena. Ele era um fanzão de hardcore e falou: “quero alguém que toque desse jeito”. Aí eu falei: “eu toco”. Daí ele ficou naquela: “mas você já tem o Cólera”. E eu disse que não tinha problema e o Val falou a mesma coisa. Daí chamamos o Sartana, que era um puta batera.

VAL – Ele era do Osso Oco, mas a gente já tinha uma convivência.

PIERRE – O Sartana era o professor da bateria, o cara tocava muito.

REDSON – Eu e o Val passamos a tocar também com o Olho Seco. A maioria das bases do Olho Seco são minhas. Eu que bolava os “Isto é Olho Seco”, os arranjos e tal. Daí o Fabião vinha com umas tirinhas, as letras eram muito curtas, escritas numas tirinhas de papel bem pequenas mesmo (risos).

VAL – E por vários anos ele subia no palco pra cantar carregando aquelas mesmas tirinhas (risos).

REDSON – Exatamente. Você pode ver no disco as fotos das tirinhas (risos).

PIERRE – Isso mesmo. Ele pegava uma folha, escrevia as letras e no final parecia uma colinha de estudante, pra colar na hora da prova. É o estilo do Fábio.

É verdade que nessa época a Rede Globo fez uma entrevista com os punks de São Paulo que foi ao ar no programa Fantástico?
VAL – Tudo caminhava bem até sair aquela matéria com a Sílvia Poppovic, que trabalhava na Globo. A repórter do programa se infiltrou e ia na Galeria do Rock com a gente, se fazia de gente fina e aparentemente iria fazer uma matéria bem legal. Aí de repente saiu a matéria no Fantástico, com tudo deturpado.

REDSON – Sim. Foi em 1982. Eu estava na Estação São Bento de metrô e chegou uma repórter da Rede Globo com mais dois caras. Aliás, não falaram que eram da Globo. Ela perguntou: “quem são os punks aqui? Você é punk?” E ela chegava bem pertinho dos moleques, fazia charme, meio que se jogava pra cima dos moleques… instigava mesmo, pra ganhar a confiança.

VAL – Ela pagava goró pra gente né, meu! (risos)

REDSON – Sim. Ela trocou uma ideia, pegou a galera, levou até a pastelaria e começou a pagar goró. Uma breja, duas brejas, três brejas e era tudo por conta dela. E vinho e conhaque e mais cerveja.

VAL – Ela conquistou a galera assim, meu! Uma puta traição.

REDSON – E os caras ficaram doidaços, botando a língua pra fora e apareceu tudo no Fantástico.

Também em 1982 aconteceu o lendário festival “O Começo do Fim do Mundo”, não foi?
REDSON – Sim. Mediante todos esses acontecimentos intensos, em setembro de 1982 o Bivar e o Caleghári e conseguiram um espaço na calçada do Sesc da Pompeia, com o som o Cazu, que era o som bom da galera do underground.

PIERRE – Era o único som que existia para a galera do rock underground.

REDSON – Já se tinha tentado fazer shows de união, que unissem a galera do ABC com a galera de São Paulo, mas as brigas continuavam e a coisa não funcionava. O Começo do Fim do Mundo parecia que ia funcionar, que iria dar certo. Tinham várias bandas do ABC como o Passeatas e outras. Tinha o Ulster, puta banda. O evento rolou, com muita gente gravando, filmando, mas a energia era tão forte, tão revolucionária, que a polícia chegou e acabou com a festa, deu porrada em todo mundo, prendeu o Bivar, prendeu um monte de gente.

Que outras lembranças vocês têm do festival?
REDSON – Nosso show demorou uma hora e quinze minutos, um mar de gente. A capa do disco revela exatamente o processo do dia. Olhar aquela onda gigante do palco era maravilhoso.

VAL – Dois dias de doideira, cara.

REDSON – Todo mundo ajudava, trabalhava na produção e a coisa foi dando certo. Mas a repressão policial era intensa. Todo mundo levava porrada da polícia, que era da ditadura militar. Quando passava um camburão e havia qualquer agrupamento era cadeia na certa, não tinha nem ideia. Éramos considerados subversivos.

VAL – Geral era praticamente toda semana, não tínhamos liberdade nenhuma. Se os caras te pegassem com uma ponta qualquer de bagulho, já era porrada.

“…cuidado com a geral/vagabundo se dá mal…”
REDSON – Nessa época eu trabalhava de office-boy e todos os dias eu estava na Galeria. Se você não tivesse Carteira de Trabalho assinada, você era preso, você não faz ideia do bagúio. Mas mesmo com a repressão da polícia a gente ainda insistiu com a coisa, mas aí o barco virou.

Como assim?
REDSON – O Fabião teve que fechar a loja e no ano seguinte de 1983 a cena foi esfriando. Nessa esfriada, começaram a aparecer em 1984 as bandas de hardcore, com aquela pegada do Discharge e tal. O verdadeiro hardcore brasileiro começou de 1983 para 1984. O Ratos de Porão responde muito bem por essa época e o som da banda já era aquele hardcore finlandês que está um pouco presente no SUB (coletânea fundamental do punk nacional, com as bandas Fogo Cruzado/Psykóze/Ratos de Porão e Cólera). Mas foi com o Crucificados pelo Sistema (primeiro disco do Ratos de Porão), com o Armagedom, Lobotomia e toda aquela pegada, que veio o verdadeiro hardcore. Portanto, aquela coisa toda que começou em 1977, cresceu até 1982, até a cena ser estancada pela polícia, pela imprensa que descia o pau, a revista Veja e outras descendo o pau. O Fabião teve que sair da Galeria e o ponto de encontro acabou. Daí começou outra história.

E a coletânea SUB?
REDSON – O SUB foi ideia minha. Nós tínhamos uma música chamada Sub-Ratos e o Estúdios Vermelhos já estava com alguns lançamentos. Eu já havia feito a produção do vinil do Lixomania e falei: “vou lançar um compacto”. A ideia inicial era lançar um compacto com seis faixas do Cólera. Na hora da gravação no estúdio, depois de tudo certo, eu mudei de ideia e resolvi fazer uma coletânea também, seguindo a ideia do Grito Suburbano. Pensei que seria muito mais legal do que um compacto somente com o Cólera. Eu já havia lançado o Ratos de Porão e os caras estavam tocando, estavam acontecendo; chamei também o Psykoze e o Fogo Cruzado e então saiu o SUB. No encarte original vinha escrito vários “subs”, submundo, subnutrição, tudo quanto é sub que era válido, que eu achei no dicionário, eu coloquei ali.

A ideia do SUB com o vinil vermelho foi causa dos Estúdios Vermelhos?
REDSON – Sim, foi por causa dos Estúdios Vermelhos. Não tem nada a ver com socialismo, apenas porque vermelho é minha cor favorita.

E após o SUB?
REDSON – Após o SUB, saiu em 1983 o LP do festival “O Começo do Fim do Mundo” e depois saíram quase simultaneamente o Crucificados Pelo Sistema, do Ratos, e o TMA (Tente Mudar o Amanhã), do Cólera. Saiu também um compacto do Olho Seco e a sequência de coletâneas continuou. Primeiro foi o Grito Suburbano, depois o SUB, o Começo do Fim do Mundo. Havia gente produzindo discos. O Fabião já tinha um selo, surgia a Ataque Frontal, a Wop Bop apareceu fazendo trabalhos alternativos, que não eram punks mas davam suporte para a cena. Era a efervescência dos selos nessa época.

Falem sobre o primeiro álbum do Cólera, Tente Mudar o Amanhã.
REDSON – Esse disco foi o primeiro projeto realizado pela Ataque Frontal, que é do Renato Martins até hoje. Como a gente sabia que os operadores dos estúdios não entendiam nada da linguagem musical punk e nem sabiam como gravar nossa música com qualidade, juntamos eu e o Renato e decidimos montar a Atack Frontal. Já existiam os Estúdios Vermelhos, tínhamos caixas, amplificadores com um puta grave, um som legal. Os instrumentos na gravação eram de qualidade mas eram emprestados. Gravamos 30 músicas. Vinte delas era para o Tente Mudar o Amanhã, 10 eram para as coletâneas internacionais. As faixas “Rebeldes” e “Vira-Latas” também foram gravadas no mesmo set, mas acabaram indo para a coletânea Ataque Sonoro, lançada também pela Ataque Frontal. E aí começamos a correr atrás. A gente percebeu que para montar o estúdio era preciso lançar um disco para conseguir o dinheiro. E esse disco era o primeiro disco do Cólera. Nós esperávamos que em um ano pudéssemos vender mil cópias e com o dinheiro arrecadado montar o estúdio. Vendemos as mil cópias em apenas seis meses e foi mais rápido do que esperávamos. O lançamento do Tente Mudar o Amanhã foram três dias no Lira Paulistana. Cólera e Lobotomia; Cólera e Vírus 27; Cólera e Ratos de Porão – com o Juízo Final fazendo uma participação no sábado. No domingo com o Ratos de Porão, deu tudo certo, tudo na paz, o pessoal curtiu, pirou. Gravamos um K-7 só pra registrar e quando fomos escutar achamos que estava muito bom e decidimos fazer um LP disso.

Foi o split com o Ratos, de vinil verde, certo?
REDSON – Vinil verde a primeira prensagem e vinil preto a segunda.

Vocês não acham que esse disco foi mal divulgado? Pouca gente conhece o vinil.
REDSON – Mas a divulgação naquela época não era tão fácil quanto é hoje, não existia os meios de comunicação nem de gravação de hoje. Quando o álbum saiu, ele não estava bem gravado. O Tente Mudar o Amanhã também teve pouca veiculação. Mas no album seguinte (Pela Paz Em Todo Mundo), houve uma melhora considerável na gravação e melhores resultados. Tocou em rádio, teve uma turnê nacional e outra na Europa. Então naquele momento do disco ao vivo com o Ratos, o que a gente conseguiu foi fazer o registro. E conseguimos fazer mil cópias. Legal, vendeu, fizemos mais mil. Mas estávamos muito mais preocupados em compor, ensaiar e gravar o disco seguinte, entendeu?

VAL – Lançamos apenas duas mil cópias que foram vendidas super-rápido, esgotaram-se todas rapidamente e não precisou de tanta divulgação porque começamos a trabalhar no próximo LP, entendeu?

Falem sobre os primeiros shows do Cólera fora de São Paulo.
REDSON – A gente já havia tocado no Rio de Janeiro em 1983, no Circo Voador, Alto da Gávea. Já havíamos tocado em algumas cidades do interior como Campinas e num grande festival em Juiz de Fora (MG).

VAL – Esse festival em Juiz de Fora, em Minas Gerais, foi muito importante para o movimento punk nacional como um todo.Tinha gente de Belo Horizonte, gente de Vitória. E foi um festival que reuniu Cólera, Ratos de Porão, Olho Seco, Psykoze, Lixomania…

REDSON – As bandas que tocaram nesse festival em Minas, todas elas, depois tocaram bastante no Circo Voador. Isso foi um fato. Criou-se um público naquela região. Uma parte de Minas Gerais, que era próxima do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Tinha muita gente do Rio, capital. Foi uma coisa muito intensa, com Raul Seixas fechando o evento, Robertinho de Recife, que na época era uma coisa muito atual e interessante pro rock nacional.

E a coletânea Ataque Sonoro?
REDSON – A coletânea Ataque Sonoro saiu em 1986 pela Atack Frontal e mostrava todos os gêneros de punk rock que existiam na época. O Grinders, que era mais skate punk, o Lobotomia, que era mais hardcore e assim por diante. Tinha uma gravação dos Garotos Podres, numa gravação que eu também produzi, do álbum Mais Podres do que Nunca, e também tinha o Ratos de Porão, já com o Gordo no vocal, com uma formação mais voltada pro metal. Esse disco abriu uma série de possibilidades.

Falem sobre o álbum Pela Paz em Todo Mundo.
REDSON – Esse disco teve todo um projeto. A partir dele todos os discos tiveram um projeto, um tema, um conteúdo e letras que se linkam. Era um disco pacifista. Nesse tempo os punks só falavam de treta, havia uma série de gangues, não se vivia. A gente ia tocar e os caras quebravam O Templo (casa de shows em SP), quebravam banheiro, morria gente. O pessoal só ia em show pra brigar. E aí a gente viu que lá fora existiam grupos autônomos, ativistas, que eram pacifistas, que tinham o propósito de resolver as coisas pela paz, de impedir a violência. Consequentemente a gente assimilou isso porque realmente era a nossa mensagem. Eu escrevia rock’n’roll pacifista antes de montar o Cólera. Aquilo era a minha cara. Em paralelo surgiu a revista Bizz, a TV Cultura começou a dar espaço pro rock, com o programa “A Fábrica do Som”, algumas rádios começaram a tocar músicas nossas, aí começamos a receber convites pra tocar em Curitiba, Porto Alegre, Salvador. Enfim, começamos a sair de São Paulo. Fizemos uma turnê nacional para o lançamento e foi divulgada a ideia da paz em todo o mundo. As músicas desse disco traziam uma linguagem nova de punk rock, músicas como “Medo” e “Somos Vivos”, muito fortes. Mas a verdade é que nesse período eu estava escutando muito metal. Eu comecei escutando e curtindo rock’n’roll, hard rock, rock pesado. Então, heavy metal pra mim era uma referência de rock também. Black Sabbath e uma série de outras bandas como Metallica e Slayer, que eu escutava para treinar a mão direita, porque eu sou músico autodidata. Não tive nenhum curso que me ensinasse a palhetar de baixo para cima. Um dia um cara falou pra mim: “meu, por que você não palheta de cima pra baixo e de baixo pra cima?” Aí eu achei muito louco e o Pela Paz já veio com toda essa referência, essa pegada de palhetadas. Fizemos a turnê desse álbum na Europa e lá gravamos outro, que foi um ao vivo, de vários shows, tirado de fitas k-7.

Como rolou a oportunidade de vocês irem para a Europa ainda nos anos 1980?
REDSON – O Cólera foi a primeira banda de rock brasileiro a fazer uma turnê no exterior. Não fomos apenas a primeira banda do gênero punk a excursionar lá fora, mas a primeira banda do gênero rock brasileiro a fazer uma turnê na Europa, a sair do Brasil e fazer uma sequência de shows. Saímos com 18 shows marcados e fizemos 56 shows. Era muito intensa a ideia de uma banda brasileira tocando punk rock lá na Europa. Muitos europeus pensavam que São Paulo era na Argentina ou que Buenos Aires é a capital do Brasil. Na Suíça algumas pessoas chegaram pra mim e perguntaram: “é verdade que lá em São Paulo andam jacarés pelas avenidas? Are there crocodiles around on the street?” E eu dizia que não, não existem crocodilos na Avenida Paulista. A referência que os caras tinham do Brasil naquela época era o mesmo que a gente pensava da África antigamente, com elefantes e leões selvagens, o que era um terrível engano. Por esse aspecto, nós éramos uma novidade muito intensa pra eles. As pessoas queriam nos ver e nós fizemos uma turnê de zigue-zague. Ia pra Suiça, descia pra Alemanha, depois ia pro norte, ia pro leste e voltava.

Qual a impressão que vocês tiveram do Velho Mundo?
REDSON – Se você sai de sua casa e vai tocar na esquina, umas cinquenta pessoas vão ver você tocar e assimilam suas ideias. É legal pois pode haver trocas. Daí você sai de sua cidade e vai tocar num outro lugar. Há uma troca maior. A cultura punk rock em São Paulo é de um jeito, Campinas é de outro jeito e por aí vai. Começamos a descobrir isso na turnê que havíamos feito pelo Brasil. Em Salvador, quando fomos tocar na Concha Acústica para uns 1.200 punks, eles cuspiram pra caralho. Era uma chuvarada de cuspe e os caras tinham correntes e tal e estavam se divertindo muito. Cada cena é de um jeito. Então, depois dessa experiência de tocar por todo o Brasil, ir pra Europa foi uma grande vitória. Tinha cagaço, tinha medo, risco existe, mas a gente acreditou e deu tudo certo.

Foi essa turnê na Europa que alavancou uma maior exposição na mídia?
REDSON – Antes mesmo de ir pra Europa a gente já tinha uma exposição na mídia. Em 1985 já havíamos feito vários programas de televisão pelo Brasil. Em Porto Alegre fizemos um programa de TV ao vivo na RBS e com a gente estava o Engenheiros do Havaí (risos). Em Curitiba, fizemos um programa com mais de uma hora de entrevista, em Salvador a TV Itapuã foi cobrir o show. Fizemos uma grande entrevista para a revista Bizz, que era a revista de rock/pop da época, fomos matéria do Estadão. Aquilo que o Cólera conseguiu foi uma façanha muito intensa, não foi uma coisa intensa apenas pro punk, foi intensa pra música nacional. Uma banda de rock saiu do Brasil, foi lá fora e fez, algo inédito pra todos, entendeu? Todo mundo queria saber como foi isso. Quem chamou vocês? Foram eles quem chamaram? Tínhamos um livro de situações e coisas pra ilustrar isso. A reportagem da Bizz tinha três páginas, fomos capa do Caderno Dois do jornal O Estado de São Paulo. Essa reportagem tinha uma foto grande da gente e uma chamada: EPIDEMIA DE CÓLERA NA EUROPA.

O disco seguinte foi o É Natal, um EP de 12 polegadas. Por que optaram por esse formato?
REDSON – É inevitável o pensamento de renovação que se tem quando se vai pra Europa, se fica lá por cinco meses e se vê a infinidade de formatos lançados por lá. Meu, os caras fazem coisas de um formato tão diferente e tão legal! A gente pensava: “isso dá pra fazer no Brasil, é só a gente tentar”. Aí eu cheguei no Brasil com uns 10 projetos: programa de rádio, programa de TV, revista, distribuidora de zine, distribuidora de demos, enfim, cheguei cheio de ideias e algumas delas viraram. Uma das ideias que a gente trouxe de fora e desenvolveu no Brasil foi o disco É Natal em formato EP, isto é, conseguimos fazer uma coisa com qualidade, no formato de 12 polegadas, tamanho de um LP, mas com no máximo seis músicas, em rotação 45. Queríamos continuar primando pelo bem feito. O Cólera sempre se caracterizou pelo aspecto de fazer bem feito. Fazer o melhor que podemos alcançar em toda situação, dar uma qualidade no negócio pra não ficar qualquer merda. Não que a gente condene. Tem banda que curte a coisa tosqueira. Eu acho válido, recebo demos e acho bem louco. Mas eu penso que cada um deve ter a sua identidade e a identidade do Cólera leva em consideração esse fator. E fazemos isso com o maior prazer, cara.

E a vendagem de discos, numa época de Plano Collor, dinheiro retido na poupança e instabilidade financeira extrema?
REDSON – Na verdade nós não vendíamos muito disco. Nós lançamos o European Tour com a maior expectativa, pensando em fazer três mil cópias e vendemos apenas duas mil. Ficamos chocados, caramba, não estava dando pra fazer. Mas nós abraçamos o projeto de fazer tudo bem feito antes dessa situação. E o EP É Natal saiu bem feitinho, com uma capa muito louca desenhada. Tem o lance do olho atrás, na escuridão, tem o olho vigiando o moleque que cheira cola, e a gravação está ótima.

Redson, você ainda tem alguma treta com o João Gordo?
REDSON – Oh, my god, mais uma vez vou responder a essa pergunta. João Gordo é meu amigo. Nós tivemos desavenças de adolescente, como se eu e você tivéssemos jogando bola e eu tivesse chutado sua canela e você tivesse ficado um ano sem falar comigo. Coisa besta. Coisa sem necessidade até de ficar comentando porque essa treta já foi resolvida há anos.




sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O humanismo interesseiro das nações predadoras





Por Sandro Neiva

Depois do terremoto que devastou o Haiti o povo daquele país sofre como nunca e seu território mais parece a ante-sala do inferno. Como se não bastassem as desgraças naturais e suas terríveis consequências, há ainda a rapinagem internacional.

A “ajuda humanitária” que vem sendo enviada aos haitianos – apesar de ser bem vinda nesse momento trágico – é simbolicamente revestida de cobiça e competição gananciosa por parte das nações imperialistas que exploram ou têm interesse em explorar o país.

Espanhóis e franceses foram os primeiros a rapinar o Haiti. Hoje, a exploração se dá pelos mais variados povos do planeta. Sua posição geográfica estratégica e a mão-de-obra (quase escrava) disponível fazem dessa ilha caribenha um enorme atrativo para os predadores internacionais.

Sim, até o Brasil, – que recentemente manifestou interesse em implantar por lá seus projetos na área de biocombustíveis – ao cortejar o Haiti, mostra seus olhos de lobo-mau. O generoso abrigo do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, seria uma prova do nosso interesse naquela região da América Central. Até mesmo a liderança brasileira das tropas da ONU no Haiti desde 2004 seria outro exemplo desse olho grande. Aliás, as tropas brazucas nunca foram bem vistas pelos haitianos.

Todavia, o maior atrativo que aquela região oferece é a isenção de tributos, selada por acordos internacionais. Assim, a ideia do governo brasileiro é fazer disso um trampolim livre de impostos para seus produtos. Estima-se que até 2011 o Brasil tenha instalado destilarias e usinas de biodísel no Haiti, Guatemala, Honduras, República Dominicana, Jamaica, Nicarágua, El Salvador, São Cristóvão e Névis. Assim, – extremizando a pobreza da população caribenha – o combustível produzido no Brasil pode entrar nos Estados Unidos com taxa zero.

Portanto, vale ficar de olhos atentos para o “humanismo” interesseiro das nações predadoras.




quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A medíocre cultura do futebol




Por Sandro Neiva

Já que estamos em ano de mais uma Copa do Mundo e em 2014 será a vez do próprio Brasil sediar o evento, aproxima-se o frisson, com levas de torcedores em surto e com o planeta inteiro estressado diante da TV. Por isso resolvi colocar em pauta algumas reflexões acerca do fanatismo e da alienação relacionados ao esportes em geral e ao futebol em particular.

Em nome de um pretenso “ideal esportivo”, os adeptos do culto da performance procuram minimizar ou mesmo omitir as realidades concretas acerca do futebol, que eles insistem em apresentar como um universo de paz, um mundo de fraternidade, de paixões igualitárias e até de democracia e de cultura. Preferem fechar os olhos para a mentira, para a má-fé, para a corrupção, para os interesses mafiosos, para as explosões de violência e para o racismo que gangrenam o espetáculo das grandes multidões.

Os ideólogos da mistificação esportiva e do “futebol-arte” nem ao menos se preocupam em repudiar os ganhos irracionais dos jogadores ignorantes e cu-sujos, pagos a preço de ouro. Esses néscios só pensam em carros de luxo e mulheres louras, enquanto os verdadeiros trabalhadores e desgraçados de todo o planeta vegetam no fundo do poço da indigência, da miséria, da pobreza e do desespero.

Pretender que o futebol seja uma parte legítima da cultura é não apenas negar a literatura e a arte, mas ter uma visão medíocre de cultura.

Tudo bem! Assumo que também tenho meu time favorito – o Atlético Mineiro – e já houve vezes em que voltei do Mineirão atordoado e eufórico, como se tivesse acabado de sair duma briga, tamanha a força da Galoucura em Minas Gerais e das torcidas organizadas (para a baderna) em geral. Mas o certo é que a selvageria que vez por outra ocorre nos estádios é apenas um reflexo da violência social, aquela que leva centenas de milhares de torcedores a aclamar da arena os gladiadores no ringue do gramado. Apenas um gosto de sangue, de ódio e de xenofobia.

Por todos os lugares, políticos encontram terreno fértil e solo adubado para se perpetuarem no poder, fazendo uma cínica apologia dos benefícios físicos e da “moral” do esporte. Sem falar que o futebol brasileiro se transformou num ambiente completamente prostituído. Uma dúzia de pessoas à frente das federações estaduais e da CBF sugam toda a riqueza do teatro da bola.

Longe de ser algo neutro, o futebol representa uma espécie de doutrinamento geral que ameaça até as cabeças mais pensantes de permanecerem lúcidas. A veemência com a qual os intelectuais se negam a criticar o futebol – deleitando-se com as vitórias de seus clubes de coração – é uma coisa perigosa, pois a junção de retórica populista com a embriaguez popular pode gerar consequências desastrosas. Os ditadores sabem muito bem que quem apóia os esportes tem as massas a seu lado. É por isso que no mundo moderno todos os governos são a favor dos esportes e contra a cultura.

Acima de tudo, urge um chamado de alerta e de reflexão sobre a velocidade com que a máquina esportiva, sob os mais variados disfarces, interfere nos aspectos mais importantes da sociedade atual, sempre agindo em favor do sistema vigente.





sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O escárnio do governador Arruda e o desejo do povo



Por Sandro Neiva

São de dar nojo, causam repulsa, terrível indignação e completa repugnância as declarações diárias do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Depois de violar o placar eletrônico do Senado, depois de ser filmado recebendo dinheiro sujo de corrupção e de afirmar que a bolada seria utilizada na compra de panetones para os miseráveis do Planalto Central, depois que a Polícia Federal descobriu que ele é o chefe de uma quadrilha organizada que é a própria cúpula do GDF, depois de mandar a Cavalaria da Tropa de Choque pisotear manifestantes desarmados nas ruas da capital, depois de se descobrir que ele é dono de um luxuoso haras nos arredores de Planaltina e que seu patrimônio quadruplicou da noite para o dia – depois de pedir perdão por mais de uma vez, o governador Arruda agora resolveu, pasmem vocês – perdoar as pessoas.

Em declaração ontem à imprensa de Brasília, o governador afirmou que entende a indignação popular e que perdoa aqueles que o insultam. Ora, somos nós quem não o perdoamos, governador! Somos nós quem não entendemos como o senhor pode ostentar essa expressão facial de deboche, esse sorriso de sarcasmo, essa cara-de-pau que estampa toda sua canalhice e deixa às claras todo o escárnio e o ódio que você e os de sua profissão nutrem por nós, – gente que anda de ônibus e paga aluguel.

Oxalá que num dia de glória, um morro como o da Enseada do Bananal, em Angra dos Reis, desabe sobre vossa cabeça calva. Que uma ponte como a que rachou ao meio no Rio Grande do Sul rache no momento em que estiver atravessando com seu carro. Ou então que, numa noite negra, de chuva forte, chova canivetes no seu pescoço. Numa manhã de primavera nós marcharemos até o Palácio do Buritinga e o atacaremos com machados e dinamites. O sol brilhará triunfante e belo nesse dia.

É o que nós, POVO, com nossos mais sinceros sentimentos, lhe desejamos para 2010, governador Arruda!

Como disse o pensador punk Ezio Bazzo (parafraseando Alfred Jarry) – “Não teremos tudo demolido, se não demolirmos inclusive as ruínas”.



quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A repugnante declaração de Boris Casoy


Por Sandro Neiva

“Que merda: dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho". Pode acreditar. Essa frase foi dita pelo jornalista Boris Casoy, durante a exibição do Jornal da Band, no último dia do ano de 2009.

Ao comentar uma mensagem de dois garis que expressavam seus desejos de boas festas de fim de ano, o apresentador deixou os brasileiros estupefatos.

A revelação desprezível do senhor Casoy só foi possível graças a uma falha dos técnicos de som, que, acidentalmente, deixaram que o áudio vazasse, no intervalo do telejornal. Na noite seguinte ao lamentável episódio, o jornalista tentou desculpar-se. Tarde demais.

Criador do famigerado bordão “Isto é uma vergonha!”, o âncora da rede Bandeirantes se revelou preconceituoso, hipócrita e sem um pingo de vergonha.

Apesar de ser bastante comum na sociedade brasileira, o preconceito de classe é algo deplorável. É inaceitável que uma atitude tão mesquinha e vil – contra a dignidade de trabalhadores responsáveis por manter limpas as nossas ruas – parta de um sujeito que, antes de tudo, é formador de opinião.

De agora em diante, sempre que estiver com a TV ligada e aparecer na tela a figura senil desse sujeito, troco de canal. Reacionários hipócritas são merecedores de indiferença e boicote.


quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Vontade de Deus?



Por Sandro Neiva

A farra do reveillon mal acabou e a rede Globo já anuncia o carnaval de 2010 para alienar ainda mais o cidadão comum. Se você disser a qualquer na rua que é jornalista da Globo, te darão o rabo facilmente. No entanto, as periferias de quase todo o Brasil continuam inundadas e submersas em merda e doenças. Morros e pontes continuam desabando. E os parentes das vítimas se debruçam em prantos sobre os escombros e sobre os caixões, acreditando piamente que a tragédia “foi vontade de Deus”.

Atolados na lama e na ignorância, não conseguem enxergar que o Estado e seus canalhas deveriam ser os principais responsabilizados pelas construções em locais inadequados. Enquanto isso, os crápulas deixam representantes para tapear os desabrigados e vão gozar as férias em suas praias paradisíacas. Na sombra e água fresca, desejam um feliz ano novo a todos os otários. Mas não se esqueça que amanhã mesmo a Empresa de Correios e Telégrafos baterá à sua porta com as novas contas (superfaturadas) de IPTU e IPVA.




segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A ilusão da soberania de escolha


Por Sandro neiva

Então começa mais um ano. E com ele as místicas esperanças de renovação. Mas geralmente a única coisa que se renova nas pessoas é o desejo desenfreado pelo consumo. Não é preciso ser cientista social para enxergar que quem determina o desejo das massas não são elas mesmas e sim as empresas de telefonia, as indústrias de medicamentos, as fábricas de automóveis, a Microsoft e as redes de televisão.

Você duvida? Então preste atenção na idiotice e alienação relacionada aos telefones celulares. Repare nos milhões e milhões de comprimidos, drágeas, pílulas e cápsulas inúteis e caras, que são receitadas pelos médicos e ingeridas diariamente por você e toda sua família. Note a quantidade de automóveis se despedaçando diariamente nas estradas, os congestionamentos e o estresse a eles relacionados. Veja a quantidade de computadores e de outros aparelhozinhos inúteis que geram o confinamento e a distorção de comportamento. E as TVs, claro, com o Faustão, o Silvio Santos, os pastores, os times de futebol e a Xuxa.

Em função das redes de TV, qualquer projeto social que pretenda “conscientizar” ou fomentar a liberdade de pensamento nas massas, está condenado ao fracasso. É impossível para os educadores competir com uma dúzia de piranhas e peões que ficam no ar vinte e quatro horas por dia vomitando e reproduzindo sobre o rebanho semialfabetizado o que há de mais escroto e reacionário no mundo.

Não é fácil conviver todos os dias, todos os anos e toda a vida atolado numa cultura que é surda para as realidades do mundo e ainda tem a ilusão da soberania de escolha.