sábado, 30 de janeiro de 2010

As tocaias em São Jorge dos Ilhéus e o churrasquinho português dos Aymorés


Por Sandro Neiva

Em princípios do século passado nos arredores de Ilhéus eram mais do que comuns as mortes violentas pela disputa das terras de excelência para a lavoura cacaueira. Tocaias, extermínios, jagunçagem sem dó. Coronéis que encomendavam a morte para alargar suas propriedades, capatazes e carrascos armados com repetição. Tiro, sangue e assassinatos bárbaros nas estradas do cacau. O próprio pai do afamado escritor Jorge Amado fôra vítima de uma tocaia.

Muitos anos antes, entretanto, na época do Brasil Colônia, a Capitania de Ilhéus já havia sido cenário de mortes violentas em outras tocaias. Tocaias engendradas pelos temidos Aymorés – legítimos brasileiros primitivos e tribais –, que resolveram fazer churrasco dos portugueses que tentaram escravizá-los.

Em todas as capitanias hereditárias precisavam os lusos plantar cana para desenvolver o projeto açucareiro. O novo lugar era estrategicamente perfeito, uma península, abrigada por quatro ilhéus e terra fértil. O que naquele momento os portugueses ignoravam era que estavam se metendo numa grande roubada. Seriam liquidados e literalmente devorados pelos Aymorés.

Numa referência às quatro ilhotas e ao próprio dono da capitania (Jorge de Figueiredo), a vila construída pelos colonos foi batizada com o nome de São Jorge dos Ilhéus. O fato da história Ilhéus ser recheada de terríveis e violentos conflitos não deixa de ser uma ironia: afinal, além de ser homônimo do donatário, São Jorge é o santo guerreiro do catolicismo.

De início, tudo corria bem. Trocas eram feitas com os amistosos Tupinikins que circulavam pela região. Os Aymorés – nômades e mais primitivos – mantinham-se à distância, na mata. Mas o escambo dava sinais de esgotamento: os nativos logo dispunham de mais objetos do que precisavam. Os portugueses então, passaram a escravizá-los, repetindo em Ilhéus o que acontecia nas demais capitanias.

Os colonos começaram a penetrar no território Aymoré e a primeira treta se deu por volta de 1546, seis anos após a invasão portuguesa. Os nativos começaram a fazer ataques constantes e em pouco tempo os Aymorés devastaram não apenas Ilhéus, mas também a vizinha Porto Seguro.

O historiador Gabriel Soares de Souza, em texto de 1570, diz: “gente esquisita e agreste, inimiga de todo o gênero humano".

O jesuíta Fernão Cardim escreveu em 1585 o seu Tratado da Terra e Gente do Brasil e dizia: “Os Aymoré ocupam 80 léguas (cerca de 500 km) de costa, mas são donos do sertão também, são senhores de matos selvagens, vivem de rapina e ponta de flecha, comem mandioca crua sem lhes fazer mal e trazem uns paus muito grossos para que em chegando logo quebrem as nossas cabeças. Não cruzam águas nem usam de embarcações, nem são dados a pescar, toda sua vivenda é do mato".

De acordo com o jornalista e historiador gaúcho Eduardo Bueno, um certo Fernão Guerreiro escreveu em fins do século 16 a respeito dos Aymorés: “gente barbaríssima, alheia a toda humanidade, é a mais fera e cruel que há no Brasil. Nunca andam juntos, senão poucos, e, sem serem vistos, cercam a gente e a matam, e com tanta ligeireza se tornam a sumir pelo mato com o arco e flecha sobre as costas. Agem com ciladas e assaltos repentinos e tem infestado toda a costa do mar”.

Na conta de Gabriel Soares de Sousa, ao longo de 25 anos de conflitos, os Aymorés liquidaram 3.500 portugueses.

Deve ter rolado churrasquinho de carne portuguesa com muito cauim de aperitivo. Bem aventurados os guerreiros da nação Aymoré, proto-brasileiros que defenderam suas terras com flechas e dentes contra a exploração lusa.

Fontes:
Pero de Magalhães Gândavo - Tratado da Terra do Brasil; História da Província Santa Cruz, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia, 1980.
Eduardo Bueno – Capitães do Brasil – Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 1999.


Um comentário:

  1. Grande Sandro Neiva. É fato que a formação do povo brasileiro se deu pela tríplice miscigenação do branco europeu, com o negro africano e com o índio. Mas a história oficial pouco fala dos dois últimos elementos. Muito interessante esse texto que não aborda os índios (os verdadeiros donos da terra) de forma pejorativa. Um abraço.

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