terça-feira, 28 de setembro de 2010

Razões pelas quais não é conveniente votar

[1] Por um lado, porque é mentira que o voto é a “expressão máxima” de cidadania, e por outro, porque todo “cidadão” tem sido historicamente apenas um número, em CPF, um estômago, um alienado e um monstro nesta República fajuta;

[2] Porque não é verdade que a abstenção, que o voto nulo, que o voto em branco e que a indiferença eleitoral irá favorecer os governos de direita, inclusive, porque todos os governos são de direita e porque todos os candidatos são oportunistas, arrivistas e reacionários;

[3] Não deves votar, entre outras mil razões, porque o voto é obrigatório e secreto;

[4] Porque o que se chama “Partido”, é sempre e sempre algo como uma seita, como uma tribo, como um clube, uma confraria, uma quadrilha, uma religião sectária e inquisitória;

[5] Porque para as elites, para os ricos, para os empresários, para os intelectuais, para os membros da pequena legião de privilegiados, em suma, para os “candidatos” e seus cúmplices, é sempre mais fácil rapinar o país e sugar os cofres públicos com teu aval;

[6] Porque a história, (mesmo a escrita pelas elites) não deixa dúvidas de que o candidato seja ele da facção que for, vem pensando e agindo como um manipulador, um charlatão, um vaidoso, um messias, um pulha e um ditador desde o Primeiro Grau, onde já era tesoureiro do grêmio estudantil;

[7] Porque os candidatos emergem sempre de meios que tu não fazes parte e porque são engendrados sempre na cúpula desta ou daquela organização corporativista, autoritária, voraz, cheia de vícios e de manhas, sempre de olho num Ministério ou numa Comissão e visando sempre e sempre o poder;

[8] Não deves votar porque a história dos últimos 117 anos registra, invariavelmente, o enriquecimento ilícito de vereadores, de prefeitos, de deputados, de governadores, de senadores, ministros e presidentes da república;

[9] Porque é inconcebível que tu, desempregado, sub-empregado ou recebendo um salário de misericórdia, se alimentando quase como um suíno, vestindo-se quase como um indigente, sigas elegendo esses homens demagogos e estelionatários que, no curto período de seus mandatos, passam do chinelo para a botina e logo depois para as pantufas, entrincheirados atrás da imunidade parlamentar e dos guarda-costas que a república lhes garante;

[10] Não deves votar porque nada, absolutamente nada do que se considera “benefício social”, “bens públicos” etc, foram conquistados através deles;

[11] Porque o Congresso Nacional e as Câmaras Legislativas, apesar dos cacarejos populistas e da propaganda enganosa, não são, nunca foram e não serão nunca, um instrumento de Representação Popular, mas, pelo contrário, uma instituição de que gera revolta, arrependimento e humilhação social;

[12] Porque a tal “esquerda”, a tal “direita”, o tal “centro” e todas as demais denominações fantasiosas e delirantes que esses homens inventam para confundir-te, são farinha do mesmo saco, estão apoiadas sobre o mesmo eixo, isto é, sobre a mesma hipocrisia e sobre a mesma ânsia de poder, de status e de dinheiro;

[13] Porque tu, mesmo que queiras, não descobrirás nenhuma diferença significativa entre o “programa de governo” de uns e o “programa de governo” de outros;

[14] Não deves votar porque com teu voto, estarás fazendo com que a responsabilidade por toda a roubalheira, por todo cinismo, por todo atraso, por toda a esterqueira nacional que é invariavelmente promovida por esses senhores recaia basicamente sobre ti e sobre teus descendentes;

[15] Porque o profissionalismo político é uma praxe de mercenários onde, como no submundo da máfia, do jogo do bicho e da prostituição só se avança para postos superiores depois de já ter uma história pessoal recheada de mutretas, de falcatruas, de cumplicidades, de sabotagens, de golpes e de crimes;

[16] Não deves votar porque tens consciência de que todos os candidatos, antes de lançarem suas candidaturas, vão a todo tipo de igrejas fazer promessas, pedir apoio e benção aos banqueiros, aos traficantes, aos credores internacionais, aos gerentes das multinacionais de medicamentos, de telefonia e a outros abutres que vivem no país empurrando suas merdas para nossa população ingênua, aproveitando-se de nossa ignorância e de nosso subdesenvolvimento…

[17] Porque os candidatos, sem exceção, penhoram o cérebro e a “alma” junto aos chefões das igrejas, mesmo sabendo que elas são sempre reacionárias, absolutistas, especialistas em propaganda enganosa e ninhos de hienas que precisam da miséria e do sofrimento das massas para sobreviverem… Sem falar de que, num Estado pretensamente laico, esses acordos são, no mínimo, paradoxais e criminosos;

[18] Não deves votar porque teu voto é sempre uma procuração em branco para esses bandidos, para esses excêntricos, para esses estranhos cuja vaidade não tem limites, cujo nepotismo não tem fronteiras e que mesmo quando se apresentam com ares de vacas mortas, são sempre testas-de-ferro de algum cacique poderoso;

[19] Porque independente de tua escolha, desde 1889 estás votando nas mesmas famílias, nos mesmos sindicalistas, nos mesmos religiosos, nos mesmos oligopólios e, em suma, no mesmo tipo de gente que já acumulou capital e influência suficiente para que inclusive seus netos e bisnetos pisoteiem e oprimam teus netos e teus bisnetos por mais um século;

[20] Não deves votar porque as vagas no Congresso Nacional vêm sendo passadas de pai para filho; de amigo para amigo, de suplente para suplente, de amante para amante, de um crápula para outro crápula desde o nascimento do Estado Moderno, e porque o próprio Estado Moderno não é mais do que uma variação ardilosa das monarquias medievais;

[21] Porque tua vida não se resume apenas ao voto e porque tua escolha terá de ser feita entre aqueles que já foram escolhidos nas paróquias, nos sindicatos, nos festins das elites, nas reuniões de banqueiros ou nas bebedeiras da canalha;

[22] Não deves votar porque o Congresso Nacional só funciona três vezes por semana, porque os parlamentares passam meses e anos discutindo assuntos que poderiam ser resolvidos em horas e porque por esse fútil jogo de cena, ganham praticamente 50 mil dólares mês, cada um, para gastos com seus apadrinhados e com seus gabinetes;

[23] Porque no Congresso Nacional 30% dos congressistas representam os latifundiários; 30% os industriais; 30% os banqueiros, 10% as seitas religiosas e 0% o povo. E porque apesar das promessas demagógicas, nenhum deles alterará essa perversidade secular;

[24] Não deves votar porque pudestes ver no caso da recente rapina dos cofres públicos, o corporativismo mais canalha e inominável. Porque a liberdade de escolha que querem fazer-te acreditar que tens, é a mesma que uma pobre dona de casa, num Carrefour, diante da prateleira de sabão, tem de escolher uma entre aquelas sete ou oito marcas…

[25] Porque não saberias como explicar a teus filhos e às gerações futuras o respaldo que destes a esses bandos;

[26] Porque não é admissível que os candidatos disponham de tanto dinheiro, de tanto poder e de tanto marketing para seduzir-te e para comprar-te;

[27] Não deves votar porque estas diariamente assistindo aos programas de propaganda política, porque podes ver o que há por detrás daqueles olhares e o perigo que aquelas palavras vazias, tolas e sem nexo representam para tua inteligência e para tua integridade;

[28] Porque não estas nem entre os 60% de eleitores analfabetos que vendem seu voto por duas arrobas de carne, e nem entre os 10% de proprietários do país, a quem, nada é mais importante do que um Estado e uma polícia onipotente que os proteja da fome, do desamparo e da indignação da turba desvairada;

[29] Não deves votar porque teu voto apenas mudará a fachada do circo e do espetáculo nacional, enquanto que o que se pretende é alterar de forma radical seus alicerces mais profundos;

[30] Mesmo que nada disso te convencer, não deves votar em respeito ao princípio elementar de amor próprio, de auto-estima e de consciência libertária.

[31] Enfim, se pretendes mudar radicalmente tua vida e a sociedade, é bom que comeces questionando o jogo mafioso e melancólico da política e do próprio Estado. É bom que comeces questionando teu próprio espírito bovino, essa tua mansidão otimista que te faz passar toda a existência fazendo campanhas, publicidade, e votando em alguém, para alguém que amanhã te cuspirá literalmente na cara e que te olhará com asco desde as alturas do Congresso Nacional ou dos altares da Cúria Metropolitana. E me refiro apenas a esses dois antros, porque por um lado, os padres, os pastores, as freiras, e os seminaristas se infiltraram astutamente nas artérias do Estado e por outro, porque os políticos de todos os naipes incorporaram malandra e cegamente em sua praxe, o discurso e o cinismo de todos os cleros. Se queres mudar as regras dessa sociedade histérica e monótona, não podes deixar tuas idéias pararem nos limites do Estado, da Igreja e da Política, como se eles representassem o último reduto de todos os pensamentos, pois a história deixa bem claro que as tragédias sociais foram sempre e sempre agravadas tanto pelo “homo politicus” como pelo “homo religiosus”. E depois - aqui entre nós -, porque não é verdade que o voto seja algo revolucionário. Pelo contrário, ele simboliza apenas um gesto esquivo, servil, esquizóide, obrigatório e quase demente da manada, realizado às escondidas numa urna guardada por párias, policiais e por juízes.

Finalmente, seja qual for a estratégia de mudança que um dia pretendas levar a cabo, ela deve estar sempre apoiada na consciência de que este Brasil é ainda um imenso e falido Portugal, submergido – como dizia Camões – no gosto da cobiça e na rudeza de uma austera, apagada e vil tristeza.


Este magnífico texto é de autoria do meu mestre Ézio Flávio Bazzo

Um comentário:

  1. Excelente texto.
    Mostra toda consciência sobre o tal "processo democrático" sob o qual estamos subjugados.
    Faz muito mais sentido a autonomia humana, independente, comunitária e socialmente sustentável, do que a delegação e a representação. Só que num mundo de miseráveis (em todos os aspectos) essa consciência está longe de ser norma - o que dizer sobre sustentabilidade comunitária, autonomia humana etc.
    Aprendi que política, todos fazemos desde o momento em que nascemos. Aprendi, também, que politicamente, evoluimos (nem que seja minimamente) a cada estágio, hora sendo devorado pelo capital, hora sendo aturdidos pelo Estado, até que (quem sabe) um dia, possamos provar de nossas próprias conquistas.
    Parabéns pela postagem e pelo tema relevante.

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